quarta-feira, 6 de junho de 2007

Editorial

A ocupação da reitoria da USP tem sido noticiada à exaustão pelos meios de comunicação de massa nesse fim de maio, competindo por espaço, em igualdade de condições, apenas com a Operação Navalha. Ambos esses temas trazem consigo o potencial para estimular um debate em larga escala sobre a maneira como é conduzido o Brasil. Porém, enquanto as implicações da corrupção generalizada da classe política nacional se mostram óbvias, aumentando a revolta já existente e clamando por reformas no sistema de governo da Nação, os motivos e metas da obstinada permanência de estudantes e funcionários universitários no prédio da reitoria da maior instituição de ensino superior da América do Sul não são plenamente discutidos. E pouco se fala também sobre o fato de ser essa ocupação apenas o centro agregador de um movimento muito maior, ainda em formação: o protesto das universidades públicas brasileiras contra o modelo de ensino que vem sendo estabelecido neste país.
Embora a invasão de um prédio público e a resistência a uma ordem judicial tenham chamado a atenção da população principalmente através da indignação, a função desses atos é essencialmente simbólica: qualquer observador da situação que puder deixar de lado sua rejeição indignada pela forma de protesto adotada e examinar o significado de tal ato, verá que as alegações dos estudantes, professores e funcionários da rede pública de ensino superior são dignas de serem debatidas. Debate que se processa, no momento, entre esses três setores unidos em greve e as autoridades do governo do Estado de São Paulo, às quais se alinharam os reitores da USP, UNESP e UNICAMP. A greve é um instrumento equalizador, uma forma de pressão utilizada pelos manifestantes para equilibrar a diferença de poder político que existe entre eles e seus opositores, armados com cargos executivos e legislativos. Assim como a ocupação, não é um fim em si: ninguém está interessado em baderna inútil, como afirmam certas reportagens ingênuas. A idéia é fazer com que, através desses métodos, os clamores daqueles que rejeitam o presente sistema administrativo da Educação brasileira sejam ouvidos e discutidos. O citado debate não deve se restringir àqueles atualmente envolvidos, pois afeta toda a sociedade; é necessário que toda a população seja informada dos problemas em questão, para que o posicionamento político se torne mais do que um monturo de conchavos e propinas. Então serão visíveis os constantes ataques ao ensino público de qualidade, realizados por sucessivas administrações federais, estaduais e municipais, que já desmantelaram o ciclo básico e agora ameaçam o superior. Para protegê-lo, deve ser garantido o direito democrático da classe universitária de gerir autonomamente seus recursos materiais, pessoais e ideológicos.
Talvez seja surpreendente para um observador casual a decadência em que se encontram esses recursos, tão intensa que sua pouca exposição na mídia chega a ser chocante; é responsabilidade dos meios de comunicação estabelecidos denunciar como definha a Universidade, e tal responsabilidade não tem sido assumida a contento. Seria apropriado expor do que se fala quando usada a palavra “decadência” através da situação do curso de graduação em Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, reconhecido como um dos melhores do país. Sua excelência vem sendo ameaçada pelo repasse incipiente de verbas que vem a consumir os já citados recursos em que se apóia: os quase 5000 estudantes são comprimidos em salas insuficientes, pois o prédio não os comporta corretamente – há classes de aprendizado de línguas, por exemplo, que chegam à marca dos 100 ocupantes – e novos professores, que pudessem abrir mais turmas, desafogando seus colegas sobrecarregados, não são contratados; o número de docentes vem diminuindo a ponto de ameaçar a própria existência de certas habilitações, como a de Francês e a de Alemão; os professores que já lecionam na faculdade também são atingidos pela ausência de espaço, pois são instalados em escritórios minúsculos, muitas vezes havendo menos escrivaninhas do que ocupantes em cada uma delas; o único prédio que serve bem ao curso de Letras é o da biblioteca, mas o acervo desta é reduzido em comparação com o número de estudantes, de modo que os livros mais exigidos simplesmente são varridos das prateleiras em certas épocas do ano. É difícil afirmar que tais mazelas não afetam a qualidade de ensino, e é por essa qualidade que lutam professores, estudantes e funcionários. Para salvar o que resta da educação pública no Brasil.

Ivan P. Zanni (membro da Comissão de Comunicação da Letras)